sábado, 28 de março de 2020

Segunda Carta ao Amigo


     Alço o primeiro passo vangloriando-me da promessa cumprida de não permitir muito tempo sem minhas palavras. Espero-lhe bem, mesmo com tantos invernos destacando as cores, mas gelando os olhos. Espero-lhe bem, porque assim também ficarei. É estranho caminhar sem a certeza do seu sorriso, mesmo que distante. Estive pensando e acredito ser esse o primeiro sintoma do desamor, o primeiro sinal do desamor... Conseguir caminhar em paz sem a certeza da paz daqueles que há pouco enchiam de sentido as coisas é sinal de que morreu o amor.
     Ainda estamos salvos. Não saberia viver em um mundo onde sua existência não é fato.
   Ando tendo pesadelos, querido amigo, sobre os dias sem você. Puno-me tanto sobre essas distâncias que nos impedem o abraço ao ponto de vislumbra-lo sentando em meio a sala, dizendo coisas sobre seus dias, initendivel, mas o que importa se ouvi-lo me faz sentir-me em casa.
Sente falta de mim assim também? Desculpa, ando inseguro com as coisas, com o mundo. Pego-me receoso em morrer.
     Ontem, acompanhei uma notícia sobre um rapaz de... Quase a minha idade, estava bem, trabalhou, gastou o seu dia como gastam os desavisados e assim continuou. Cinco dias depois já não existia no mundo, era passado. Não parece certo morrer assim, mas se morre. Dei-me por mim... A sua inexistência me tiraria o chão...
     Por favor, não morra, não antes de ouvir que o amo, querido amigo, não acredito em filmes, mesmo os apreciando a medida da alma, não acredito em arrependimentos póstumos, nem acho bonito palavras gastas ao corpo já moribundo que não consegue entender direito, dizer: eu também; envolvê-lo nos braços como proteção. Não se deve dizer ao condenado aquilo que privou de dizer quando vivo. É um ato egoísta... Tão amplamente praticado como se fosse a salvação de quem parte.
     Eu aprendi com a vida, meu amigo... Dizer que ama ao moribundo ou ao cadáver é a salvação egoísta de quem vive. Pensa, ouvir coisas ternas só quando não há nada a ser feito. Por que se podendo amar decide-se pela crueldade?
     Escrevo-lhe por querer dizer-lhe agora, e não amanhã sobre minhas saudades, e de como desejo que esteja bem depois de nossa última conversa, ainda por carta, o que me faz duvidar dos meus sentidos por, mesmo assim, percebê-lo tão perto, tão forte enquanto escrevo que sua imagem começa a caminhar pela sala, sentar... cruzando uma perna embaixo da outra sobre o sofá.
     Mesmo com essa nova doença que me apavora e aumenta minha saudade de tudo que amo. Enlouqueço-me imaginando que após cinco dias posso estar sem esses pedaços que constroem a minha felicidade, a minha força, a minha tranquilidade de caminhar. Não saberia perder quem eu amo, não saberia perdê-lo...

     Falei apenas dos meus medos, perdoa-me! Preciso conversar com alguém e você sempre foi bom em esconder seus sentimentos em uma caixa para cuidar dos meus... Dos outros. Confidencia-me: Virou a rua? Você é incrível, direi sempre, e em toda esquina há um abraço de saudade esperando o seu.

Wanderson Lana
28/03/2020

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